domingo, 28 de setembro de 2008

DESCANSO II

“O domingo é o sábado cristão”. Talvez você já tenha ouvido tal afirmação. Será verdade? Vou citar aqui, alguns argumentos que já li e ouvi, favoráveis a tal tese, lembrando assim de cabeça, e tentarei responde-los um a um:
1.O domingo é, como o próprio nome diz, o “dia do Senhor”, o qual é Jesus Cristo.
Resposta: Já existia no Império Romano um “dia do senhor”, o dia de Mitra, deus importado da Babilônia. O imperador romano era o sumo sacerdote do culto de Mitra, que tornou-se a religião dos militares romanos. O título do imperador, no exercício da sua função sacerdotal era sumo-pontífice.
2.Desde o início os cristãos se reuniam no domingo, como o NT atesta, quando afirma, várias vezes, que os cristãos estavam reunidos no primeiro dia da semana. Portanto deve ser óbvio que eles já havia substituído o sábado pelo domingo, mesmo sendo judeus de nascimento.
Resposta: Todos os autores do NT eram judeus (Lucas provavelmente era prosélito, mas certamente estava sob forte influência judaica). Devemos esperar que sua descrição dos fatos adote o linguajar judaico e é o que realmente acontece. Há quem defenda que o NT (ou grande parte dele) foi escrito primeiramente em aramaico, mas, mesmo que não tenha sido, certamente há uma grande influência de expressões semíticas no grego do NT e é esperado do leitor que conheça os costumes, leis, mandamentos, sacerdócio, cultura, geografia, história e até jurisprudência judaica. É natural, portanto, que a contagem de tempo siga o modo hebraico, que considera o início do dia às 18:00Hs da nossa contagem. Desta forma, parece razoável interpretar que o primeiro dia da semana, citado muitas vezes no NT refere-se ao período entre 18:00Hs do nosso sábado e 17:59Hs do nosso domingo. Deve-se salientar que o próprio conceito de semana é uma peculiaridade judaica, incomum no mundo antigo. Devemos nos perguntar quando seria razoável esperar que os primitivos seguidores do Ungido se reunissem. Sendo judeus os primeiros crentes, gozavam de um dia de descanso garantido no sábado, e poderiam reunir-se à noite, que segundo sua contagem já era o primeiro dia da semana, após as 18:00Hs. Mesmo nas congregações mistas, no mundo helênico, em princípio haviam muitos judeus e outras pessoas interessadas no ensino hebraico, muitos dos quais já freqüentavam a sinagoga antes de conhecerem as boas novas do Messias. Para tais pessoas, o sábado já era um dia de descanso, e a noite de sábado era especialmente apropriada para uma reunião com os irmãos, visto que muitos dos participantes não tinham trabalhado durante o dia. O período diurno do primeiro dia não seria muito apropriado, visto que as pessoas teriam de trabalhar (muitos não dispunham de liberdade para estabelecer seu próprio dia de descanso). O alvorecer do primeiro dia, antes de iniciar o trabalho diário era possível, mas menos apropriado. De qualquer forma, é Lucas quem nos informa, no Livro dos Atos dos Apóstolos, que os cristãos da Judéia, conforme a palavra dos apóstolos Pedro e Tiago, eram observantes dos Mandamentos de Moisés, e isto na segunda metade do primeiro século, quando o apóstolo Paulo foi levado preso para Roma. Portanto, eram guardadores do sábado e seria estranho que eles guardassem dois dias de descanso na semana.
3.A patrística confirma que o domingo era guardado desde o início, conforme:
Justino Mártir (150D.C.) "No dia chamado domingo, todos, quer morem nas cidades quer nos povoados, se reúnem, e as memórias dos apóstolos e escritos dos profetas são lidos tanto quanto o tempo permitir; então, após a leitura, o presidente fala exortando e animando, para que estes exemplos excelentes sejam imitados; então todos nós nos levantamos e nos despedimos em oração pedindo as bênçãos espirituais de Deus."
Eusébio (265 a 340 D.C.) "Tudo o que era nosso dever para ser feito no sábado, transferimos para o dia do Senhor, pois pertence mais apropriadamente a ele, porque tem um precedente, e é o primeiro da fila e é mais digno que o sábado judeu. E foi entregue a nós para que possamos nos reunir neste dia."
Resposta: Infelizmente, muitos dos textos da patrística que chegaram até nós carregam um pesado ranço anti-semita, visto que muitos deles trouxeram do pensamento grego um ódio feroz contra os judeus. Note-se que muitos autores cristãos tentaram desvincular totalmente Jesus de sua nação, dos quais o mais exagerado foi Marcião. Muitos outros, embora menos ilógicos e menos espalhafatosos, tinham a mesma animosidade anti-judaica, que se introduziu tão fortemente nas igrejas cristãs que durante séculos estas instituições têm sido fortemente anti-semitas (como vemos até hoje, quando o CMI aplaude as propostas iranianas de hecatombe nuclear na Terra Santa). Desta forma, muito do que lemos pode ser argumentação anti-judaica. Seria perfeitamente concebível que um autor do segundo século projetasse sua própria visão anti-semita sobre o primeiro século, deixando de perceber que aquele tinha sido um período diferente, quando judeus e gentios, crentes no Messias, gozavam de muito mais comunhão. Mesmo porque, teria sido difícil o anti-semitismo entre os seguidores do Ungido no primeiro século, quando grande parte da igreja é judaica. Este assunto merece um texto inteiro e prometo escrever sobre isto outro dia, se Deus assim o permitir.
4.“O dia do Senhor” é citado explicitamente no livro de Apocalipse, provando que já era guardado no final de primeiro século com tal nome e reconhecido pelo apóstolo João.
Resposta: “O dia do Senhor” é uma expressão comum na Tanach (AT) e refere-se ao dia da vinda do Senhor (a segunda vinda, como a chamamos). É simbolizado pela festa das trombetas, que ocorre no primeiro dia do sétimo mês do calendário judaico. É razoável entender que o judeu João, profetizando sobre as últimas coisas, tenha estado em espírito no “Dia do Senhor”, dia da sua vinda. Também seria razoável supor que a revelação profética ocorreu no dia da Festa das Trombetas, que representa esse evento futuro. Mas alguém argumentará que é razoável supor que a revelação ocorreu num domingo. Há muitas ocorrências na Bíblia de “Dia do Senhor” referindo-se às últimas coisas, mas nenhuma em que se refira ao domingo (a não ser esta, como tais debatedores querem). Conforme o princípio que diz “As Escrituras interpretam as Escrituras”, as duas primeiras interpretações são muito preferíveis a esta última.
5. Os entes do Antigo Testamento são símbolos do Segundo. É bastante óbvio que o sábado, da velha aliança, é simbolo do domingo, da nova.
Resposta: Felizmente não precisamos fazer suposições sobre o que o sábado simboliza, pois a própria Escritura nos diz, nos capítulos 3 e 4 da Carta aos Hebreus:
"Por isso, irmãos santos, participantes da vocação celestial, considerai a Jesus Cristo, apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão, sendo fiel ao que o constituiu, como também o foi Moisés em toda a sua casa. Porque ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou. Porque toda a casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus. E, na verdade, Moisés foi fiel em toda a sua casa, como servo, para testemunho das coisas que se haviam de anunciar; mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim. Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram, e viram por quarenta anos as minhas obras. Por isso me indignei contra esta geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não conheceram os meus caminhos. Assim jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso. Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado; porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim. Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, Não endureçais os vossos corações, como na provocação. Porque, havendo-a alguns ouvido, o provocaram; mas não todos os que saíram do Egito por meio de Moisés. Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi porventura com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes? E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade. Temamos, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás. Porque também a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram. Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso, tal como disse: Assim jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso; porque em certo lugar disse assim do dia sétimo: E repousou Deus de todas as suas obras no sétimo dia. E outra vez neste lugar: Não entrarão no meu repouso. Visto, pois, que resta que alguns entrem nele, e que aqueles a quem primeiro foram pregadas as boas novas não entraram por causa da desobediência, determina outra vez um certo dia, Hoje, dizendo por Davi, muito tempo depois, como está dito: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações. Porque, se Josué lhes houvesse dado repouso, não falaria depois disso de outro dia. Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras, como Deus das suas. Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar. Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno."
Vemos, do texto acima, que o sábado representa o descanso que o crente alcança no Messias, através da fé.
Alternativamente, outros eventos proféticos de descanso (o milênio e o mundo vindouro) podem ser também representados pelo sábado. Mas a interpretação de que ele simbolize o domingo, além de não bíblica, é totalmente estranha, visto que as coisas físicas da Primeira Aliança representam sistematicamente realidades espirituais. Se o sábado representasse o domingo, seria o único caso de um ente da Primeira Aliança representando um ente seu igual (um dia representando outro dia) e não um seu superior. Acho que nem preciso referir o quanto a primeira interpretação (que é tirada diretamente da Bíblia) é superior a esta última.
6.O sábado é o único dos Dez Mandamentos da Velha Aliança que não foi confirmado por Jesus.
Resposta: As afirmações de Yeshua (Jesus) contidas nos evangelhos, são normalmente parte de debates com mestres da lei ou ensino ao público judaico. Não são ensinos sistemáticos, mas sim, ensinos ditados pela necessidade da hora. Sendo o mandamento do sábado rotineiramente cumprido pelos doutores e pelo povo, não era necessária a sua confirmação, visto que não era posto em dúvida e era bastante respeitado nessa época. Embora não tenha sido confirmado explicitamente pelo Messias, é fato conhecido que o Mestre cumpria estritamente o calendário religioso, e não há registro de que tenha descumprido o descanso sabático injustificadamente.
7.Jesus não guardava o sábado, e induzia os judeus a não guarda-lo.
Resposta: É espantoso que cristãos tentem atribuir ao Messias o descumprimento dos Mandamentos (como faziam seus inimigos, que o mataram). Mais espantoso ainda, por negarem as próprias Escritura, as quais declaram que “Ele cumpriu toda a Lei” . Quanto à guarda do sábado, ao ser interpelado pelos seus inimigos, Ele jamais respondeu dizendo que o sábado não devia ser guardado. Pelo contrário, em todas as suas discussões ele argumentou dentro da jurisprudência judaica, provando que sua forma de guardar o sábado era superior à de seus adversários. Vemos isto nos seguintes textos:
“E aconteceu num sábado que, entrando ele em casa de um dos principais dos fariseus para comer pão, eles o estavam observando. E eis que estava ali diante dele um certo homem hidrópico. E Jesus, tomando a palavra, falou aos doutores da lei, e aos fariseus, dizendo: É lícito curar no sábado?'
Eles, porém, calaram-se. E tomando-o, o curou e despediu. E disse-lhes: 'qual será de vós o que, caindo-lhe num poço, em dia de sábado, o jumento ou o boi, o não tire logo?' E nada lhe podiam replicar sobre isto.” Evangelho segundo S. Lucas, capítulo 14.
Aqui, Ele argumenta de acordo com a jurisprudência judaica que afirma a licitude de salvar a vida de um animal no sábado. A Torah considera a circuncisão como justificativa para a quebra do sábado, e de acordo com a interpretação judaica, a circuncisão é uma cura. Onde se pode o pouco (uma pequena cura) se pode o muito (uma grande cura). Portanto, todas as curas executadas por Yeshua no sábado estão justificadas dentro da Lei.
8.Jesus induzia os judeus a abandonarem o judaísmo.
Resposta: Jesus seguia freqüentemente uma jurisprudência diferente da adotada pela maioria dos rabinos. Isto é assunto para um artigo bastante mais longo, mas adianto que seus ensinos são fortemente fundados em interpretações de rabinos anteriores. Adotar uma jurisprudência judaica menos comum é bastante diferente de se opor aos mandamentos de Moisés. Mesmo o leitor descuidado do NT perceberá que Yeshua falou sobre como apresentar os sacrifícios, como entregar dízimos e ofertas no templo, ordenou a apresentação de leprosos curados aos sacerdotes, pregou em sinagogas (e no próprio Templo), teve zelo pelo Templo, cumpria as festas judaicas e argumentava com base nas Escrituras judaicas. Tais atos não parecem os de alguém interessado em destruir a Torah. Na verdade, declarou explicitamente que não veio para destruir a Torah, mas para cumpri-la (Evangelho Segundo S. Mateus, capítulo 5, verso 17).

2 comentários:

Blogildo disse...

Fico com Paulo em Romanos 14:1
Um faz distinção entre dia e dia; outro, porém, considera iguais todos os dias. Cada um proceda segundo sua convicção.

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny