Alguns dizem que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Afirmam isto escudados em um texto bíblico, no qual a palavra traduzido em algumas Bíblias como “todos”, pode ser (e é, em outras traduções da Bíblia) traduzida também como muitos. Atualmente esta interpretação (sobre o dinheiro ser a causa de todos os males) é hoje muito difundida, por influência do pensamento marxista, que vê a vida humana centralizada na economia.
Mas, como são as pessoas reais, que o leitor conhece? O que eles querem? Provavelmente o leitor conhece pessoas que buscam coisas bem diferentes, mas que podem, na sua maioria serem resumidas em: evitar o desconhecido (preservação da vida e fuga de situações imprevisíveis, para sí mesmas e para pessoas próximas), busca do prazer (incluídos aqui os chamados “prazeres elevados”, como os intelectuais e espirituais e até mesmo a sensação de dever cumprido e o saber-se seguro, bem como ter confiança no bem estar de seus queridos) e fuga do desprazer (incluídos aqui a culpa e a percepção da própria desimportância, e a preocupação com sua própria segurança e com a de outros). Eu poderia falar também de outras fontes de impulsos dentro do homem, causas espirituais, mas deixo isto para outro dia, pois não afeta 'grosso modo' a argumentação. Adianto apenas que entre os impulsos mais importantes de ordem espiritual, está a vocação, uma percepção íntima de que há um caminho a seguir, e a intuição, uma percepção de realidades não acessíveis aos sentidos físicos ou à inteligência.
O poder é uma questão secundária. Pode trazer alguma sensação de prazer (que algumas pessoas apreciam demasiadamente), mas é fundamentalmente um MEIO para alcançar objetivos (entre eles, alcançar prazeres e evitar desprazeres). Quanto ao dinheiro, é uma forma particular de poder, cambiável até certo ponto por outras formas. Uma característica peculiar do dinheiro é poder ser acumulado e trocado por outros entes no momento mais adequado. Isto naturalmente traz uma certa sensação de segurança em relação ao futuro.
Para grande parte das pessoas, as escolhas sobre que objetivos seguir acompanham efetivamente a percepção daquilo que realmente lhes falta. Via de regra, o acumulo de dinheiro para garantia futura é deixado em segundo plano em relação a objetivos mais preementes, como educação e saúde dos filhos, e mesmo seus prazeres diários. Via de regra, quando as pessoas sacrificam seus objetivos de curto prazo (em particular, alguns prazeres) para acumulo de dinheiro, visam algum objetivo mais concreto, como um investimento em particular, que possa eleva-las a um novo patamar de segurança e/ou oportunidades, ou bem estar no trabalho (o sonho de não ter chefe, por exemplo).
Entretanto, uma parcela importante das pessoas gasta seu dinheiro para satisfazer necessidades menos óbvias. O ser humano busca ser aprovado, ser admirado, reconhecido, particularmente na adolescência, mas muitos continuam sentindo tal necessidade de forma muito forte até uma idade muito avançada. Grande parte do esforço e do dinheiro, que não deixa de ser uma forma de esforço acumulado, de uma pessoa pode ser gasta em vaidade (que significa vazio), isto é aparência. Pode ser aparência física, percepção de ser bem aceito pelo grupo, “saber” (“intelectuais” muitas vezes são pessoas doentiamente vaidosas) ou até mesmo a aparência de “pensar as coisas certas”. O que seria da religião do “politicamente correto sem o poder da vaidade? E também, sem o poder da ameaça de retirar das pessoas o seu bom nome?
As pessoas que tem bastante dinheiro utilizam apenas uma parte relativamente pequena na sua própria manutenção e de suas famílias. Grande parte do dinheiro é investido no próprio negócio. Quem vê de fora talvez imagine uma ambição maluca de tentar ganhar muito mais dinheiro do que pode gastar. Por que quem já é rico, e por qualquer padrão razoável já tem segurança econômica, buscaria aumentar seu capital? Sejamos razoáveis, só pessoas de mente muito anormal despendem todo seu esforço em algo que já tem de sobra. Quando se vê um rico investindo em seus negócios, ele busca outra coisa diferente do dinheiro. Alguns buscam a realização de provar a sí mesmos ou a outros o seu valor, sua capacidade de construir um negócio grande, que produz riqueza para muitos. Pode ser o desejo genuíno de mudar algo na economia. Talvez alguém tenha pensado por muito tempo “deveria existir tal ramo da industria neste país, isto está fazendo falta”. Há um certo componente de idealismo nas motivações de muitos empresários, o que às vezes pode tornar-se um óbice à melhor condução dos negócios.
Para muitos homens muito ricos, a auto-glorificação, o culto a sua própria grandeza ou a obtenção de poder acabam por tornar-se objetivos primordiais. Muitos ficam apenas na auto-glorificação, na qual esbanjam sua riqueza, conforme o ditado “pai rico, filho nobre, neto pobre”. Para outros, conforme as oportunidades e temperamento, a riqueza, antes que se esgote, compra o poder, como nos ensina a saga dos Medicis.
ENTENDENDO A HISTÓRIA RECENTE SOB NOVA VISÃO
Tente o leitor reinterpretar a história recente entendendo que vários impulsos diferentes movem os seus atores. Entenda o poder das necessidades psicológicas (principalmente a necessidade que as pessoas tem de verem a si mesmas como superiores, moral e inteletualmente, e verem seu “pensamento independente” apoiado pelos seus pares). Entenda a profunda necessidade de agradar (mesmo daqueles que se dizem “contracultura”) e a esperteza daqueles que sabem utilizar as necessidades dos outros. Muitos fatos visíveis ao leitor, que deveriam ser “ignorados” ou minimizados numa leitura 100% economicista, fazem todo sentido nesta nova interpretação.
Sob tal compreensão, é estranho chamar de “capitalismo” a crença nas virtudes da liberdade de mercado. Capitalismo seria o sistema que privilegiasse os proprietários de capital, dando a eles o máximo de garantias de manutenção da riqueza e poder para si e para seus filhos. Ora, em um país onde haja real liberdade de mercado, há riscos reais de grandes perdas para os proprietários de capital, e vê-se a toda hora grandes empresas afundarem e novas fortunas surgirem. É uma grande mentira que tal sistema engesse as pessoas e as famílias na sua situação social e econômica. A rigor os sistemas que buscavam preservar (e preservavam) no passado a situação econômica e social dos mais ricos e poderosos foram todos sistemas de forte intervenção estatal. Há um sistema hoje em dia que funciona assim. Uma aristocracia, dona do país, forma uma casta de privilegiados, que embora lutem entre si pelo usufruto dos bens do país e do poder político, são aliados em explorar a casta dos trabalhadores. Seus filhos casam entre si e recebem dos pais o dom de pertencerem à casta dominante. Embora os bens nacionais não sejam considerados propriedades particulares de cada membro da casta dos aristocratas esta, em conjunto, goza de seu uso, deixando para a casta trabalhadora apenas o suficiente para a manutenção (e muitas vezes, nem isso). Para manterem o sistema funcionando devem manter a casta dos trabalhadores sob forte e constante vigilância, terror e desinformação. Ajuda bastante a criação de um mito de vida gloriosa futura para a casta trabalhadora e de um suposto passado de lutas generosas e desinteressadas por parte dos membros da aristocracia. Também não se prescinde do uso de inimigos externos que estariam buscando destruir e escravizar a nação. Tal sistema pode funcionar tanto sob a égide do internacionalismo, como do nacionalismo e freqüentemente se desenvolve para um sistema de empresas “privadas” dos filhos dos oligarcas, uma espécie de “capitalismo de estado”, com fortíssima intervenção estatal, apesar da aparência de livre mercado. Na sua forma pura, tem sido geralmente chamado de socialismo e na sua forma desenvolvida, é muitas vezes chamado de fascismo. No fundo, apenas o renascimento dos antigos sistemas aristocráticos, em forma muito mais violenta e opressiva.
Como o leitor talvez tenha notado, alterei minha auto-descrição de “pró-capitalista” para “partidário da liberdade de mercado”. Atende melhor a minha atual compreensão do que realmente significam tais palavras
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
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