Um dos princípios básicos do método científico é a chamada Navalha de Occam, um critério, proposto explicitamente pela primeira vez, ao que se saiba, pelo pensador escolástico William de Occam (ou Ockham). Originalmente, consiste em evitar premissas não demonstráveis que não sejam estritamente necessárias à explicação de determinado fenômeno. Numa formulação mais geral, manda preferir sempre a explicação ou descrição mais simples possível para qualquer fenômeno. Por conta de tal critério, mesmo antes dele ser explicitado, a Terra foi considerada esférica quando se descobriu que ela se curvava para todos os lados (embora outras formas curvas mais complexas pudessem ser consideradas). Na verdade, um elipsóide de revolução é uma aproximação mais correta do formato da Terra do que uma esfera. Na astronomia, julgava-se verídica a interpretação mais simples do movimento aparente do sol, isto é, que ele gira em torno da Terra e posteriormente, as órbitas dos planetas foram consideradas circulares, uma forma mais simples que a elipse. Finalmente, desde Newton até o início do século XX, a simplicidade da física clássica era considerada a perfeita descrição da matéria e energia, mas então, por conta de incongruências entre teoria e fenômeno, vieram a física quântica, revisitando a questão da continuidade do espaço, e a física relativística, revisitando a questão da sua regularidade e trazendo uma nova visão sobre a natureza do tempo.
Mas antes de ser um critério das ciências naturais, a Navalha de Occam já era um critério do bom senso. Ao procurar uma coisa, busca-se primeiro nos lugares mais acessíveis, ao tentar descobrir o defeito de algo, começa-se com as possibilidades mais simples. Um outro motivo para se começar pelo mais simples, é que numa busca indexada, é mais fácil guardar a memória do que já se tentou, quando já se tentaram as coisa óbvias, rápidas e fáceis. É um critério de economia de tempo e trabalho, e portanto, de dinheiro. Mas, diferentemente do que alguns leigos supõem, não é um critério de veracidade. Nos quatro casos acima, a explicação mais simples não era a mais correta, e freqüentemente é assim que acontece, Mas, por terem adotado a explicação mais simples, os estudiosos do assunto contribuíram para que, posteriormente, uma explicação mais correta fosse encontrada, visto que a percepção das discrepâncias, da realidade em relação à teoria, se tornou mais fácil. O poder de economizar trabalho e tempo, aliado à sedução mental que uma explicação simples e completa traz, fazem com que, até mesmo quando são percebidas tais discrepâncias, muitas vezes elas sejam tomadas como irrelevantes, sinais de algum outro fenômeno paralelo, que não afetam realmente o cerne da teoria.
Mas o bom senso da Navalha de Occam, e outros critérios do método científico, se aplicam tão bem a toda a vida humana, como se aplicam ao estudo científico? Na verdade, o método científico em geral, e a Navalha de Occam em particular, não garantem nem que a tese adotada seja a mais provável, nem se trata disto. O critério de Occam revelou-se útil para a construção a longo prazo de um certo tipo de conhecimento (o das ciências naturais), o que não precisa ser igual à maior probabilidade de acerto imediato de um cientista em particular. Participar de um projeto de construção de conhecimento a longo prazo nos leva às mesmas opções que a busca de uma solução que deve ter um número limitado de tentativas? Quando uma busca tem necessariamente de ser limitada, você seguiria a mesma ordem que numa busca indexada para fins científicos? E se você tiver uma chance só? Você tentaria um tratamento que tem 80% de chance de mata-lo, caso ele fosse a única alternativa a uma morte certa e rápida por uma doença fulminante? Você creria numa explicação mais complexa para um fato não acessível à verificação (e sobre o qual precisasse tomar uma decisão), se esta fosse a que parecesse mais verossímil? Você deixaria que uma impressão indefinida influenciasse a sua escolha de um subordinado, ou de um sócio? Muitos cientistas fariam estas coisas, embora não haja nisso nada de método científico.
A vida não é vivida pelo chamado método científico, nem pode se-la. Quem está vivo, está por ter seguido seus instintos muitas vezes, desde antes de nascer. Muitas vezes você tomou a decisão correta por intuição, ou por algum impulso inexplicável, ou por pensamento analógico absolutamente não confiável, ou pelo uso da dialética, as vezes de forma bastante incompleta, ou por deduções que podem ser bastante lógicas, mas não são nada científicas, pois você não teria meios de verifica-las. Às vezes, você simplesmente “sentiu” que algo iria falhar (ou dar certo). O ser humano está neste mundo desde muito antes da criação do método científico, e teve muito sucesso sem ele, um instrumento recente do pensamento (baseado em princípios antigos), que veio se juntar a muitos outros instrumentos de nossa mente (e espírito).
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