Quando Yeshua (Jesus) conversou com a mulher samaritana, esta lhe questionou a respeito do local onde se deveria prestar culto ao Eterno, visto que os judeus o faziam em Jerusalém e os samaritanos em Samaria. Historicamente, quem estavam certos eram os judeus. Todo o povo de Israel, na época do reino unido, ia a Jerusalém para adorar ao Criador dos céus e da terra. Quando houve a secessão, Jeroboão, rei do norte (Israel), temendo a reunião de Israel e Judá, inventou um outro culto, com imagens de bois, para evitar a ida das tribos do norte para Jerusalém, três vezes ao ano. Foi uma desgraça para o próprio Jeroboão pois, como profetizou Aías, por causa disso morreriam todos os seus filhos. Efetivamente seu filho assumiu o reino após a sua morte, mas uma revolta interna causou a morte de toda a família, vindo o reino a ser governado por outros. Séculos mais tarde, depois da deportação das tribos norte-israelitas para a Assíria, muitas pessoas de outros países foram trazidas e se misturaram aos israelitas que haviam sobrado (essa era uma prática comum dos reis assírios, para manutenção do poder imperial). Este povo mestiço eram os samaritanos da época de Yeshua, que já haviam abandonado os outros deuses e seguiam uma Torah (pentateuco) um pouco alterada e não conheciam os Escritos e os Profetas da Tanach.
Mas Yeshua deixou de lado essa discussão e usou a pergunta como um gancho para trazer à luz a cessação do culto nacional em Jerusalém. Como profeta, ele previu o fim do templo, e previu também que os verdadeiros adoradores adorariam ao Pai em espírito e em verdade. Ao falar de verdadeiros, deixou implícito que haviam falsos. Isto é conseqüência inevitável de uma religião nacional, em que, por motivos sociais, todos adoram, mesmo aqueles que não tem o coração preparado. O que o Messias de Israel previu foi que os verdadeiros adoradores, em todo lugar, libertados das amarras de servidão de suas religiões nacionais, poderiam adorar ao Criador, unindo-se aos verdadeiros adoradores que já existiam entre judeus e samaritanos. Milhões de almas que buscavam o Criador, seriam libertas para se expressarem, deixando de lado os príncipes dos ares e os espíritos.
O texto dá a impressão de uma oposição entre a religião nacional dos judeus e samaritanos e o verdadeiro culto a Deus. Mas isto é verdade apenas como recurso discursivo. O derramamento do espírito dentro dos corações dos adoradores, conforme previsto pelos profetas e agora por Jesus, tornaria-os diferentes dos antigos, em certa medida, mas os verdadeiros adoradores entre eles já adoravam verdadeiramente, conforme nos mostram os Salmos, escritos por diversos adoradores antigos, trazendo a alma diante do Criador. Verdadeiros adoradores sempre adoraram, desde de Abel, o justo e o culto nacional judeu ou samaritano não os impedia, pelo contrário lhes dava ambiente propício.
RELIGIÕES NACIONAL, COMUNITÁRIA, FAMILIAR E PESSOAL
O culto YHWH (muitos pronunciam Jeová, mas essa pronúncia é recente), por parte dos judeus, era um culto nacional, instituído por Moisés, embora os patriarcas já o conhecessem. Moisés deu ao povo a Torah (Ensino) que nós, cristãos, muitas vezes entendemos erradamente como apenas um conjunto de regras (a Lei). Os antigos judeus não entendiam assim, mas viam nos mandamentos um caminho de aprendizado das coisas, tanto naturais como espirituais, uma janela para um pouco da compreensão divina do mundo e um caminho de intimidade com o seu Criador. O salmista assim entendia:
“Tenho visto que toda perfeição tem seu limite; mas o teu mandamento é ilimitado. Quanto amo a dua Lei! É a minha meditação, todo o dia! Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho comigo. Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos. Sou mais prudente que os idosos, porque guardo os teus preceitos. De todo mau caminho desvio os pés, para observar a tua palavra. Não me aparto dos teus juízos, pois tu me ensinas. Quão doces são as tuas palavra ao meu paladar! Mais que o mel à minha boca. Por meio dos teus preceitos consigo entendimento, por isso, detesto todo caminho de falsidade. Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz para os meus caminhos. Jurei e confirmei o juramento de guardar os teus retos juízos” Salmos 119, versos 96 a 106.
Espantoso o amor desses antigos à Torah; ou pelo menos parecerá espantoso àqueles que julgam que ela é um fardo pesado e não compreendem seu sentido mais profundo.
Mas que ensinam os mandamentos de Deus (613, segundo a contagem dos rabinos)? Não entrarei aqui nos significados mais ocultos, mas falarei apenas do sentido mais óbvio: a maioria deles está ligado aos ministérios levítico e sacerdotal. Do restante, vários são sobre questões eminentemente éticas, outros sobre as festas nacionais judaicas, fazem ordenamento dos direitos diversos na sociedade, ensinam a maneira correta de realizar o culto a Deus, cuidam da higiene, saúde, alimentação, etc. Claro está que foram planejados para um país teocrático, com uma religião nacional e governo alinhado com esta religião.
Não é possível que a Torah fosse aplicável, da MESMA FORMA que era aplicável ao povo de Israel, em momento algum da história, a qualquer outro povo. Embora haja nela ensinamentos gerais, e até mesmo universais, nunca foi uma NORMA geral para todos os povos, porque não foi planejada para ser. Numa versão diferente, os judeus criaram, a partir do fim do segundo Templo, um novo judaísmo, não mais uma religião nacional, mas uma religião comunitária, restringindo muitas das leis, não mais aplicáveis no seu sentido explicito, apenas aos seus sentidos mais profundos. Restringindo ainda mais a aplicação da Torah, apenas aos seus sentidos ético, espiritual, e profético, o apóstolo dos gentios, Paulo, tornou-a ensinável a todos os povos. Uma Torah de bolso, um culto ao criador que poderia ser prestado por qualquer pessoa, mesmo que todos ao seu redor não quisessem participar da adoração, ou mesmo sob perseguição. Esta religião portátil pode ser praticada até dentro de regimes tão fechados como os comunistas. Até na Albânia do tempo dos ditadores loucos, até na Coréia do Norte atual. O culto pessoal, previsto por Yeshua, que une todos os verdadeiros adoradores.
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