Tem sido afirmado por alguns que os primeiros cristãos, sendo judeus praticantes, criam na Torah oral. Pretendo opinar que não, com base nos argumentos abaixo:
A prevalência do judaísmo rabínico hoje, é numericamente muito grande, mas isto não era verdade no primeiro século. Os saduceus tinham uma influência importante, e existiam muitos outros grupos fora das linhas mais influentes. Hoje mesmo os judeus não ortodoxos não tem referência histórica fora da tradição rabínica, a não ser os minúsculos grupos caraítas, descendentes da união dos saduceus com outros grupos não rabínicos.
A discordância dentro da tradição farisaica era muito grande com diversos grupos disputando, e dois grandes pólos, a escola de Shamai e a de Hilel. As discordâncias entre essas escolas era intensa e degenerou até mesmo em violência física de discípulos da tradição de Shamai contra discípulos da tradição de Hilel. Quando Yeshua (Jesus) pregava ao povo, citava constantemente rabinos anteriores, quer concordando, quer discordando. Concordava mais com o ensino de Hilel, embora, no caso do divórcio, tenha favorecido uma interpretação mais rígida, semelhante à de Shamai. Quando de sua morte, alguns podem ter interpretado que, mais uma vez, os intérpretes alinhados com Shamai haviam usado a violência para vencer.
A tradição rabínica apresenta os debates dos mestres como uma tradição dada por Deus, onde as diferentes e conflitantes posições dos debatedores são todas verdadeiras, cada uma ao seu próprio modo. Mas é um anacronismo crer que essa síntese entre os divergentes, feita a partir de Akiva, fosse aceitável no primeiro século. Vou dar um exemplo: Hoje, às vezes assisto a algum documentário na tv falando de conflitos antigos, seja entre romanos e cartagineses, ou gregos e persas, ou alemães e aliados, ou americanos e soviéticos. Assistindo, no conforto de um sofá, a um conflito que já terminou, é fácil concentrar-se apenas na comparação entre as técnicas, as armas, as táticas e as estratégias. Um conflito de vida ou morte pode ser, para um espectador não engajado, um exercício e uma diversão intelectual, onde tudo que ambos os lados fizeram é uma lição útil, e compõe uma rica tradição legada pela história. O mesmo se pode dizer sobre todos os debates e desentendimentos do passado, pois é no fragor da luta, seja física seja de idéias, que a percepção humana mais se revela. Mas é num momento posterior, quando o debate ou a luta já terminou, que vemos assim. Para aqueles diretamente envolvidos o que importa é vencer, firmar sua posição, convencer os outros daquilo que crê ser verdadeiro. Mais ainda, em muitos casos o debate degenera em conflito de egos e de poder político, criando amargura e ressentimento. O mesmo aconteceu em relação aos debates sobre as interpretações da Torah. Os mestres tinham opiniões, tinham também ligações pessoais e políticas, tinham ressentimentos até. Durante a época imediatamente anterior e posterior a Yeshua, o debate estava novo ainda, os rabis criam que, em cada assunto, uma posição era CORRETA, e devia ser defendida, e qualquer outra estava ERRADA, e devia ser combatida. É claro que poderiam haver muitos assuntos em que mestres poderiam dizer “não sei a resposta correta”, mas dificilmente diriam que duas respostas contraditórias estariam ambas corretas, pois parece difícil crer que tal idéia de síntese pudesse se formar em tal ambiente de ânimos exaltados. Foi neste contexto que veio o Messias, assumindo posição sobre cada questão (e pior, ficando freqüentemente com a posição politicamente mais fraca).
Dentro desse contexto, não havia o que HOJE se chama de 'Torah Oral”. Os mestres criam numa tradição que vinha desde Moisés, mas não poderiam associar o ensino de Moisés a uma síntese antes que o debate esfriasse. Todo judeu religioso do primeiro século (incluindo aqueles que posteriormente foram chamados de cristãos) tinham opiniões específicas. Quem quer que cresce em alguma “Torah oral”, no primeiro século, certamente não creria na SÍNTESE POSTERIOR que hoje é chamada “Torah oral”. Só poderiam crer no que já existia, não no que seria criado nos séculos futuros, isto é a idéia de que as interpretações divergentes dos rabis foram dadas por Deus.
3 comentários:
Dia desses eu ouvi o Olavo defendendo tradição oral. Nunca confiei em tradição oral. Vale o que está escrito! Parece simplório, mas não é.
Dica: Não quero me meter na administração do blog. Mas, já que vc submete os comentários a aprovação, pq não tirar a senha nos comentários?
Dá uma preguiça...
Eu também não confio excessivamente em tradições orais, embora tenham o seu valor. De qualquer modo, é certo que os primeiros cristãos conheciam e usavam várias tradições que deram origem ao Talmude, bem como a literatura midráxica.
Postar um comentário